Embora o número de adolescentes grávidas tenha diminuído nos últimos anos, no Brasil, ele ainda é alto, principalmente se comparado aos países latinos vizinhos. Daí a importância da Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, que ocorre até o dia 08 de fevereiro. De acordo com a Dra. Júnia Dueli Boroni, ginecologista e obstetra do Neocenter, conforme dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos, em 2020 foram realizados 380 mil partos em mães com menos de 19 anos de idade. Isso corresponde a 14% dos nascimentos, índice considerado elevado tendo em vista as taxas de países como Chile (5%), Argentina e Uruguai (10%), Peru e Costa Rica (11%).
Para ela, as causas são inúmeras e para compreender essa realidade “temos que entender o que significa essa fase”, ressalta a médica. Segundo explica, “a adolescência é uma fase de mudanças físicas, mas existe um processo intenso de amadurecimento cerebral, que é responsável por modular o pensamento crítico, a tomada de decisão, o autocontrole emocional e a capacidade de resolução dos problemas. Acredito que esta função neurocognitiva tenha grande importância para compreender o comportamento adolescente. As meninas entre 15 e 19 anos, começam a explorar a sua sexualidade, desejam se reafirmar como indivíduos independente dos pais e buscam o reconhecimento e suporte em grupos de amigos, por isso se tornam vulneráveis. Não ter uma base sólida de educação por partes dos pais é um importante fator a ser considerado”. Além disso, destaca, “não podemos deixar de pontuar a vulnerabilidade das meninas aos abusadores sexuais”, acrescenta.
Definição – De acordo com a Organização Mundial de Saúde – OMS, a gravidez na adolescência é aquela que ocorre em meninas que estão na faixa etária dos 10 aos 19 anos de idade. Dentro desse universo temos, assim, diversas camadas sociais e, nesse caso, não há como separá-las. A gravidez na adolescência atinge todas as classes sociais, mas é mais frequente justamente nos grupos de maior vulnerabilidade social, que inclui meninas de baixa renda e pretas.
Conforme relata a Dra. Júnia Boroni, dentro dessa realidade é muito comum a falta da figura paterna que se ausenta da responsabilidade e impõe as mães o gerenciamento dos lares e o sustento das famílias, impossibilitando uma participação mais próxima na criação dos filhos. A dificuldade de acesso à escola e às unidades de saúde também tem uma parcela significativa de culpa.
Do ponto de vista médico, uma gravidez na adolescência deve ser muito bem acompanhada, pois a adolescência está associada a alguns riscos, como a pré-eclâmpsia e eclampsia, que são comuns em grávidas muito jovens. Tais condições podem elevar a pressão arterial da futura mãe, alterar os exames de sangue e determinar aumento do tempo de internação hospitalar antes e após o parto. Há também maior risco de hemorragia puerperal, necessidade de transfusão sanguínea e a de internação em unidades de tratamento intensivo (UTI). Outras complicações típicas da gestação na adolescência são taxas maiores de doenças da tireoide, doenças cardíacas e infecções no trato urinário.
Recém-nascidos de mães adolescentes têm também maior risco de prematuridade, crescimento intrauterino restrito e baixo peso ao nascer, ressalta a médica, observando que isso implica diretamente na necessidade de uma assistência neonatal intensiva (UTI neonatal).
Do ponto de vista psicológico, a Dra. Júnia Boroni informa que pode haver uma perda de identidade e uma instabilidade emocional, principalmente quando a adolescente grávida se afasta do seu grupo de amizades por vergonha ou preconceito. “Na grande maioria das vezes, ela perde o direito de estudar porque a maioria, geralmente, não conta com uma rede de apoio. Com isso, a sua formação e desenvolvimento intelectuais são interrompidos. Ela também passa a desempenhar papéis que não desejou e para o qual não se preparou, como, por exemplo, cuidar de um bebê e de uma casa, bem como ser expulsa da casa de seus pais.
Como reduzir o índice de gravidez na adolescência seus traumas e riscos
A prevenção é fundamental e ela passa pela educação. Nesse sentido, em janeiro de 2019 foi instituída por lei a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez, que ocorre, anualmente, do dia 1º ao dia 08 de fevereiro. O objetivo desta Semana é disseminar informações sobre medidas preventivas e educativas que contribuam para reduzir a incidência de gestação na adolescência.
Os desafios do tema
Apesar da mudança de comportamento na sociedade contemporânea, as famílias ainda continuam a não abordar esse tema com as suas filhas. Isto é um importante fator que contribui para essa grave realidade. De acordo com a médica, os pais ainda são bem resistentes em falar claramente com os filhos sobre vida sexual. O pensamento da família da adolescente ainda é “se falarmos sobre sexo, ela vai ser estimulada a iniciar a vida sexual”, quando, na verdade, o pensamento deveria ser: “ela vai iniciar a vida sexual quando quiser, então melhor que seja de uma forma orientada”.
Em uma gravidez na adolescência, a pergunta que se segue é com relação ao pai do bebê. Ele é também um adolescente ou um adulto? A resposta é difícil de dizer por que não há uma contabilização formal e em números absolutos, pelo IBGE, ou por qualquer outro centro de pesquisa, observa a Dra. Júnia Boroni. Os poucos dados dizem respeito ao Estado de São Paulo, onde a maioria dos parceiros de gestantes adolescentes são adultos, com média de idade de 22 anos.
Conforme a médica relata, “o pai adolescente passa a desempenhar simultaneamente dois papéis, que são aparentemente contraditórios: ser adolescente e ser pai. E isso se torna um fator estressor. Ser adolescente implica um processo de busca da consolidação de um senso de identidade próprio a partir da experimentação sexual, da ampliação do mundo social e da busca de independência dos pais. Ser pai é ter que assumir responsabilidades sobre escolhas de vida afetivas e de trabalho e ter sua liberdade restringida. Na vida adulta, mesmo com uma gestação não planejada, há uma tendência deles terem maturidade emocional e condições estruturais para o suporte da família”.
Dentro dessa realidade, o índice de aborto é também um fato. No Brasil, a taxa de abortamento na adolescência é de cerca de 10%, com sua maior parte ocorrendo de 17 a 19 anos. A maioria das mães adolescentes permanece com os filhos, o que é possível, muitas vezes, a uma rede de apoio dos familiares. Geralmente, são os avós maternos que acabam assumindo a criação, dando oportunidade da mãe adolescente retornar à escola e dar seguimento à sua formação profissional.
A prevenção começa em casa, afirma a Dra. Júnia Boroni. “Acho que os pais devem procurar meios para que os assuntos sobre a sexualidade e todas as suas repercussões. Se eles não souberem como fazer esta abordagem, minha orientação é que consultem um Ginecologistal que pode introduzir os conceitos de educação sexual de maneira adequada”.
As grandes campanhas públicas são importantes demais no sentido de “popularizar” o assunto. “Mas acredito muito que a efetividade em prevenir a gravidez na adolescência ocorre quando falamos de uma forma mais próxima para os jovens. Aí entra o papel fundamental das escolas e dos pais. As medidas educativas e preventivas através das mídias sociais têm importante papel ao tratarem do assunto da maneira que o adolescente entende e absorve”, conclui a especialista.